segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
GEORREFERENCIAMENTO E CERTIFICAÇÃO - Histórico e Questões já nem tão controversas
Breve histórico
Surge no mundo jurídico, em 2001, a Lei Federal 10.267, que dentre tantas alterações, passa a vincular à necessidade de descrição georreferencial os casos que especifica. Na atividade registrária, as alterações são mais vivamente sentidas face o acréscimo dos parágrafos 3º e 4º ao artigo 176, e do parágrafo 3º ao artigo 225, ambos da Lei Federal 6.015/73 (Lei de Registros Públicos – LRP).
A introdução do ponto georreferencial esteve desde o princípio vinculada a regulamentação futura do INCRA e, nos casos de transferência de imóvel rural, a estipulação de prazos após os quais passaria a ser exigido.
De início, surgiu abarcando as seguintes hipóteses: desmembramento, parcelamento e remembramento de imóveis rurais (artigo 176, parágrafo 3º, da LRP), transferência de imóvel rural (artigo 176, parágrafo 4º, da LRP) e autos judiciais que versem sobre imóveis rurais (artigo 225, parágrafo 3º, da LRP).
Pendente que estava de regulamentação, o primeiro passo para consumação desta foi a edição e publicação do Decreto 4.449/2002, o qual em seu artigo 10 trouxe os prazos reclamados no parágrafo 4º do artigo 176 da Lei Federal 6.015/73. Eivado de impropriedades, foi publicado o Decreto no Diário Oficial da União de 31 de outubro de 2002. Dentre as incongruências patentes, desde aquele momento ganhavam relevância três aspectos:
1º) Os prazos eram somente para as situações de transferência, e não envolviam de maneira clara e inequívoca também as demais hipóteses, a saber, desmembramento, parcelamento, remembramento e autos judiciais que versem sobre imóveis rurais;
2º) Os prazos tinham como data do início a da publicação do Decreto, enquanto o artigo 9º do mesmo ato expedido pelo Executivo, em consonância com a Lei Federal 10.267/2001, vinculava o georreferenciamento a ato normativo a ser expedido pelo INCRA;
3º) O artigo 16 mencionava que “Os títulos públicos, particulares e judiciais, relativos a imóveis rurais, lavrados, outorgados ou homologados anteriormente à promulgação da Lei nº 10.267, de 2001, ...”, “...poderão ser objeto de registro, acompanhados do memorial descritivo elaborados nos termos deste Decreto.” (destaque nosso)
Ora, em relação a esta última, evidente a defeituosa fixação do marco temporal. Por certo, dever-se-ia ter como ponto de referência não a Lei 10.267/2001, nem mesmo o próprio Decreto. Pois quando da Lei não havia os parâmetros implementados pelo Decreto e, quando deste, não havia as normativas do INCRA que viabilizaram a certificação do memorial descritivo.
Ao assim redacionar, o Executivo colocou em xeque todos os atos registrários praticados no interregno entre a Lei e o Decreto, como a dizer, mutatis mutandis , que os atos posteriores à promulgação da Lei e anteriores ao Decreto já deviam conter o georreferenciamento. Jamais se poderia impor a condição a um período em que inexistia qualquer regulamentação, de todo necessária.
Teria agido melhor se trouxesse que os atos anteriores ao Decreto, e aí não importa quando, tivessem sujeitos a apresentação do memorial descritivo. Ainda assim permaneceria inapropriado o dispositivo, isto porque pendia o Decreto de regulamentação normativa, a ser expedida pelo INCRA, visando dar exeqüibilidade ao georreferenciamento.
Percebendo a impropriedade de redação do artigo 16 do citado Decreto, os registradores, mostrando maturidade, via de regra, não opuseram óbice aos registros e averbações de títulos envolvendo imóveis rurais que não contassem com a descrição georreferencial, no período que medeou a promulgação da Lei e a publicação do Decreto.
O início de vigência do Decreto
Porém, após a edição do Decreto regulamentador, ocorrida em 31 de outubro de 2002, nova dúvida surge. Basta o Decreto estar no mundo jurídico regulamentando a Lei para que se possa exigir o georreferenciamento?
Novamente os Oficiais de Registro, entendendo sua novel característica de Profissionais do Direito, dão a correta leitura ao sistema e, a par do artigo 16 citado e da publicação do Decreto 4.449/2002, permaneceram não exigindo para a prática dos atos imobiliários concernentes ao registro o georreferenciamento de imóveis rurais. Desta feita, por uma questão técnica.
O artigo 9º, caput , do Decreto 4.449/2002, ressaltava a necessidade de futura regulamentação normativa pelo INCRA, de tal forma que não existiam naquele momento os requisitos técnicos de ordem objetiva que permitissem a certificação do memorial descritivo. Assim sendo, outra via não restou senão aguardar a posterior normatização pelo órgão agrário.
Tal normatização veio a ocorrer somente com as edições da Norma Técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais e das Instruções Normativas 12 e 13 do INCRA, de 17 de novembro de 2003.
Nesse momento, aí sim, necessária a aplicação do georreferenciamento. Digamos que, em parte, as impropriedades do Decreto restaram sanadas, após atitude razoável adotada pelos registradores, que no período que antecedeu as normativas, deram a melhor leitura ao sistema, viabilizando que a economia e as transações imobiliárias envolvendo imóveis rurais tivessem regular curso.
Mas a normatização do INCRA não pareceu o suficiente para afastar todos os obstáculos decorrentes do novo e obrigatório sistema de medição dos imóveis rurais.
Das hipóteses sujeitas ao georreferenciamento e os prazos
Em uma leitura sistemática do artigo 10 do Decreto 4.449/2002 com a Lei 10.267/2001, notadamente os parágrafos por esta acrescidos aos artigos 176 e 225 da Lei Federal 6.015/73, poder-se-ia entender que os prazos aplicavam-se tão somente às hipóteses de transferência de imóvel rural.
Isto porque o artigo 176, parágrafo 4º, da LRP, vinculava o ponto georreferencial nas transferências aos prazos que foram fixados pelo Poder Executivo mediante a edição do Decreto 4.449/2002, certo que tanto o parágrafo 3º do citado artigo, que trata das hipóteses de desmembramento, parcelamento e remembramento, quanto o parágrafo 3º do artigo 225 da LRP, que trata de autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, silenciavam quanto a necessidade de observância dos prazos.
Duas leituras se tornaram possíveis: a primeira, de que não havia prazo para as hipóteses de desmembramento, parcelamento, remembramento e autos judiciais, o que levaria a não aplicação da Lei; a segunda, mais razoável, conquanto gravosa, de que propositadamente não havia a estipulação de prazos, levando-se a conclusão que desde sempre aquelas situações necessitariam do georreferenciamento.
Não demorou muito, e o INCRA baixou a Portaria P/Nº 1032, de 02 de dezembro de 2002, publicada no Diário Oficial da União em 09 de dezembro de 2002, que, em síntese, veio estender a aplicação dos prazos as hipóteses de desmembramento, parcelamento e remembramento de imóveis rurais.
Se por um lado resolveu, por outro complicou. Pois, ao omitir na Portaria P/Nº 1032 que os prazos se aplicavam aos autos judiciais, reforçou o INCRA o entendimento de já ser aplicado imediatamente, independentemente de observância de qualquer prazo, o georreferenciamento aos autos judiciais que envolvam imóveis rurais.
Não tardou e essa discussão ganhou vida nos átrios forenses paulistas. A primeira decisão de que temos conhecimento, foi proferida em Piedade, Estado de São Paulo. Provocada pelo culto registrador, Doutor Fábio Martins Marsiglio , decidiu em 04 de março de 2004, a MM. Juíza da Primeira Vara Cível daquela Comarca, Sua Excelência, Doutora Laís Helena Bresser Lang :
“O art. 10, do Decreto nº 4.449/2002, citado pelos autores, a fl. 158, refere-se ao art. 176, da Lei nº 6.015/73 e não ao art. 225 do referido codex , de que trata a hipótese vertente. Desta forma, em se tratando de Registros Públicos, que retratam direito indisponível e têm como uma de suas vigas mestras o princípio da especialidade, não se pode dar interpretação extensiva ao mencionado art. 10, inserto no Decreto que veio à regulamentar a Lei nº 10.267/2001, devendo ser tida a mens legis , pela aplicabilidade imediata do geo-referenciamento, nos casos de ações judiciais que envolvem imóveis rurais ” (destaque nosso).
Na seqüência da mesma discussão, agora em Araçatuba, Estado de São Paulo, e com a manifestação do registrador local, Doutor Marcelo Augusto Santana de Melo , um dos expoentes do registro imobiliário brasileiro, houve por bem Sua Excelência, Doutor Fernando Augusto Fontes Rodrigues Júnior , Corregedor Permanente do Registro Imobiliário daquela Comarca, normatizar a questão, em 06 de agosto de 2004, entendendo por aplicáveis os prazos também as hipóteses de autos judiciais que versem sobre imóveis rurais. E assim o fez:
“Em princípio, existe necessidade de apresentação do memorial de georreferenciamento, como implantado pela Lei 10.267/2001 e decreto regulamentador. Esta sistemática é a que deve imperar, segundo as novas regras.
Ocorre que, como ponderado pelo registrador, houve a edição de norma adiando a entrada em vigor da exigência, fixando cronograma para sua implementação para algumas hipóteses. Ora, trata-se de reconhecimento de que os interessados e os proprietários não estavam preparados para a nova providência.
E, nessa conformidade, o legislador concedeu maior prazo, permitindo que se procedesse a transferências, desmembramento e remembramentos, sem o georreferenciamento. Todavia, omitiu o legislador casos que no gênero, merecem o mesmo tratamento, tais como retificações de área em curso, usucapião, averbação de reserva legal.
E por analogia, deve se estender a tais casos a suspensão da exigência, aplicando-se o escalonamento do art. 10, do Dec. 4449/2002, também a dispensa do georeferenciamento nos prazos que especifica.
Diante do exposto, acolho o pedido de providências administrativas, para que se faça o registro do mandado de retificação, sem a apresentação do memorial e certificação do INCRA. A presente decisão tem efeito normativo para casos do gênero, lembrando que posteriormente a providência do georreferenciamento deverá ser cumprida de acordo com as orientações e prazos fixados pelo INCRA.” (destaque nosso).
Em expediente de retificação de área envolvendo imóveis de ambas as circunscrições imobiliárias da Comarca de Araraquara, Estado de São Paulo, o Corregedor Permanente da Serventia de que este autor é Titular, requisitou prestássemos informações acerca dos prazos do Decreto 4.449/2002, face o fato de que, em momento anterior a sua decisão, havíamos, nos termos da Lei 10.267/2001, do Decreto 4.449/2002 e das Instruções Normativas 12 e 13, nos manifestado pela necessidade imediata do georreferenciamento, com o que concordou a Douta Promotoria de Justiça e, pasmem, a parte interessada.
Após, entretanto, a sentença, cuja expedição de mandado ficou vinculada ao georreferencianento e ao trânsito em julgado, a parte interessada se inteirou das dificuldades próprias da obtenção do georreferenciamento. Tratava-se, no caso em concreto, de retificação de área judicial datada de 1998, e que se encontrava em fase final. O sistema georreferencial, imposto em desatenção a tais questões temporais, impingia, em verdade, novo procedimento retificatório, agora administrativo, ao interessado.
Entretanto, a única alegação do requerente era no sentido de que os prazos do artigo 10 do Decreto 4.449/2002 não haviam se escoados para a área em questão (menos de 1.000ha).
Em nossas informações, fizemos um histórico da Lei e do Decreto e apontamos a falta de previsão quanto a aplicação dos prazos aos autos judiciais e citamos os precedentes de Piedade e Araçatuba. Tendo em vista o caso concreto, mas em mente a questão maior, de solucionar a interpretação da questão georreferencial em nossa Comarca , assim nos manifestamos:
“Resta evidente que ambos os r. juízos verificaram a necessidade da exigência do georreferenciamento, dando, contudo, tratamento diferenciado aos prazos, ora excluindo as hipóteses de autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, ora estendendo a tais hipóteses o escalonamento de prazos.
Certo é que, se Vossa Excelência afastar a exigência imediata do geo-referenciamento, entendo-se aplicável às hipóteses de autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, ao agasalho do precedente de Araçatuba, ainda assim restará inviável para o caso destes autos a dispensa do geo-referenciamento, posto que quando do trânsito em julgado da sentença, já será obrigatória a exibição do trabalho técnico em obediência ao comando contido nos diplomas legislativos e executivo referidos, isto porque em 31 de outubro de 2004 já incidirá o inciso III do artigo 10 do Decreto 4.449/2002, que é a hipótese dos autos.
Por sua vez, note-se que o artigo 9º do Decreto 4.449/2002, que trata propriamente da identificação do imóvel rural nos termos da nova realidade legislativa, menciona em sua parte final a necessidade de fixação de um requisito técnico, a saber, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA, a exemplo do já destacado nos parágrafos 3º do artigo 176 e 3º do artigo 225 da LRP.
A abordagem deste ponto é de extrema relevância para o deslinde do caso, isso porque os prazos tiveram como dia de início para sua contagem a publicação do Decreto, ou seja, dia 31 de outubro de 2002, quando não havia ainda o ato normativo do INCRA, reclamado tanto pelos parágrafos 3º do artigo 176 e 3º do artigo 225 da LRP, quanto pelo artigo 9º do Decreto 4.449/2002, certo que Portaria nº 954, que fixou a precisão posicional, data de 13 de novembro de 2002, vinculada ao estabelecido em Normas Técnicas para Levantamentos Topográficos, o que ocorreu com a edição, somente em novembro de 2003, da Norma Técnica Para Georreferenciamento de Imóveis Rurais, juntamente com as Instruções Normativas números 12 (Roteiro de Troca de Informações entre o INCRA e os Registros de Imóveis) e 13 (Fluxo a ser observado pelas Superintendências do INCRA, com vistas à certificação e atualização cadastral), que somente surgiram no mundo jurídico em 17 de novembro de 2003.”
E continuamos:
“Aceitando o r. juízo que os prazos em questão se aplicam também as hipóteses de autos judiciais, nos termos do precedente de Araçatuba, somente restará viabilizada, por ora, aceitar a descrição tal como obtida nos autos, se também se entender que tais prazos começaram a correr a partir da definitiva regulamentação da matéria pelo INCRA (17/11/2003) e que viabilizaram a elaboração dos trabalhos técnicos feitos com base no sistema georeferencial, e não a partir do Decreto, conforme previsto em seu artigo 10, parte final do caput , por absoluta impossibilidade de início da contagem dos prazos como nele previsto, tendo em vista faltar requisito expresso na LRP, com a redação dada pela Lei 10.267/2001, no Decreto 4.449/2002, e na Portaria nº 954/2002, qual seja, ato normativo expedido pelo INCRA, o que somente veio a ocorrer em novembro de 2003 .” (destaque nosso)
Pela importância da matéria e por envolver a área em questão imóvel situado em ambas as circunscrições imobiliárias de Araraquara, além de decidir sobre a questão da aplicação dos prazos aos autos judiciais e da data de início da contagem dos mesmos, requeremos fosse ouvido o nobre colega de Comarca e normatizada a matéria.
E por decisão proferida em 25 de novembro de 2004, Sua Excelência, Dr. João Battaus Neto , Corregedor Permanente dos Registros Imobiliários da Comarca de Araraquara, resolve magistralmente a questão, tanto agasalhando o precedente de Araçatuba, quanto dando inédita decisão no Brasil, entendo por dies a quo da contagem dos prazos a edição das Instruções Normativas do INCRA. E o fez nestas palavras:
“Dessarte, duas indagações se apresentam. A primeira, se a concessão do prazo deve ser estendida às hipóteses de autos judiciais ou apenas aplicáveis àquela adrede alinhavadas; a segunda, se a contagem do prazo deve iniciar a partir da promulgação do Decreto, em 31.10.02, ou a partir da edição da Portaria, em 17.11.03.
No que toca à primeira, a analogia recomenda que seja estendida também às hipóteses de autos judiciais a concessão do prazo para a implementação do novo sistema de identificação. Os casos tratados em autos judiciais, tais como retificações de área e usucapião guardam a mesma natureza e possuem similitude de efeitos em relação às transferências, desmembramentos, parcelamentos ou remembramentos. (destaque nosso)
Em relação à segunda, o bom senso impõe que se considere o início da contagem do prazo a partir da edição da Portaria expedida pelo INCRA. É que malgrado tenha sido concedido pelo Decreto o prazo para regulamentação, faltava ainda a fixação da precisão posicional pelo INCRA. Logo, não havia como dar cumprimento à norma no prazo estabelecido se os proprietários sequer sabiam a precisão posicional a ser adotada.
A boa hermenêutica força o intérprete a conciliar as disposições normativas de maneira a que não se negue vigência a nenhuma delas ou que se conduza a resultados notoriamente inexeqüíveis. (destaque nosso)
Assim, se Lei nº 10.267/01 institui o novo sistema de identificação e o Decreto nº 4.449/2002 concedeu prazo para sua implementação, somente se pode observar os prazos quando os proprietários passaram a ter condições efetivas de efetuar o georreferenciamento, ou seja, a partir da fixação da precisão posicional que ainda pendia de definição”.
O precedente de Araraquara vem sendo utilizado por alguns registradores, porque está de acordo com o espírito da norma e mais apropriado a sua vigência no tempo.
Conquanto não resolva as diversas questões de ordem prática surgidas com a aplicação do georreferenciamento – e nem poderia –, reforçou a idéia de tratamento uniforme das hipóteses de transferência, desmembramento, parcelamento, remembramento e autos judiciais que envolvam imóveis rurais e deu um prazo de “respiro” para que as autoridades competentes regulamentem de maneira mais profícua a matéria.
Este precedente, assim como os demais, aliados ao prévio Encontro de Araraquara, ocorrido em julho de 2004, fez surgir um movimento totalmente inovador na classe registrária: debate jurídico franco, intenso e busca de auto-regulação da atividade.
A auto-regulação e o georreferenciamento
Como percebido, um nó górdio do sistema registral é a desconcentração normativa. Ao mesmo tempo que é necessária e útil para atender as demandas e necessidades locais e sobretudo a fiscalização dos atos praticados por notários e registradores, é extremamente penosa quando se trata de assuntos que extrapolam os limites de uma circunscrição.
Temos, assim como na questão trazida à balha, outras, cujos efeitos da decisão normativa local ora vinculam um registrador imobiliário e não o outro, de Comarca diversa, que também deverá qualificar o mesmo título, ou ora criam ao usuário do sistema uma insegurança quanto ao posicionamento do registrador de cada Comarca, de tal forma que se pode ir a uma Comarca vizinha e se ter um tratamento completamente diferente acerca da mesma matéria, enquanto não decidido em órgão central.
Cientes das dificuldades inerentes ao sistema em questões de grande relevância, temos que o Encontro de Araraquara, realizado nos dias 09, 10 e 11 de julho de 2004, aflorou uma firme convicção na classe registrária paulista: se somos Profissionais do Direito, nos termos preceituados pela Lei, devemos estar aptos a dar soluções aos problemas, e não apenas apontar estes. E, institucionalmente, se os problemas afetam de maneira inequívoca o conjunto da atividade – e no caso do georreferenciamento, o conjunto da sociedade –, temos de estar aptos a responder as demandas dos usuários com a presteza de soluções que estes esperam.
Conquanto seja cômodo entregar ao juízo Corregedor Permanente a decisão de toda e qualquer matéria controversa, o fato é que os paradigmas mudaram. O que não mudou, talvez, seja nossa forma de olhar a atividade registrária. Muitos de nós ainda a vemos como atividade meramente formal, onde a capacidade pensante fica restrita àquilo que é incontesti , seja porque a Lei é clara, seja porque as decisões dão suporte a prática do ato.
Decidindo matéria relacionada a parcelamento irregular do solo, já decidiu o Colendo Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo:
“ A qualificação registrária não é um simples processo mecânico, chancelador dos atos já praticados, mas parte, isso sim, de uma análise lógica, voltada para a perquirição da compatibilidade entre os assentamentos registrários e os títulos causais (judiciais ou extrajudiciais), sempre feita à luz das normas cogentes em vigor (ApCiv 72.365-0/7, em 15/02/2001)” (destaque nosso).
A questão ali era atinente à correição da qualificação negativa procedida pelo registrador, em quadro em que vislumbrava, por elementos objetivos, a ocorrência de fraude à Lei do Parcelamento do Solo.
Entretanto, possível vislumbrar naquela decisão a leitura de que a qualificação positiva também não seja mero ato mecânico, praticado somente sob o cômodo manto da decisão judicial ou da inequívoca e manifesta vontade da Lei.
Das melhores revoluções ocorridas no Estado de São Paulo, temos como sendo uma a seqüência de concursos, a garantir que em cada Serventia Notarial ou Registral se encontre um titular apto a exercer as funções que lhe exigem a Lei Federal 8.935/94, em especial esta, de Profissional do Direito. Devem os registradores, independentemente da discussão de se a qualificação é meramente formal ou adentra em aspectos de direito material, e sem que esse seja o foco, atuar com os instrumentos que o Direito disponibiliza, não somente para o enquadramento de uma qualificação negativa, mas também para a consecução de uma qualificação positiva.
Fazer e saber porque fazer é importante. Ao mesmo tempo, trabalhar com espírito institucional se faz mister, justamente para atender os anseios do destinatário final dos serviços: o cidadão.
Temas como o georreferenciamento e suas hipóteses de cabimento não podem e não devem, por obrigação legal do agente delegado de atuar com eficiência e presteza e proceder de forma a dignificar a função (artigo 30, incisos II e V, da Lei Federal 8.935/94), ficar ao sabor do tempo, nem sempre senhor da razão.
Aquele que se nega a assumir sua qualidade de Profissional do Direito e permanece com atuação mecânica anda em descompasso da dignidade esperada do Registrador no exercício de sua atividade.
Com esse ânimo e essa atitude, os debates virtuais dos registradores paulistas integrantes do e-group “outorgadelegações”, que culminaram com o Encontro de Araraquara, organizado pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, geraram uma certeza: é possível auto-regulamentar matérias que vão de prática dos atos à cobrança de custas sem a constante turbação dos órgãos censores, devendo os registradores a estes se dirigir em casos específicos, onde há dúvida fundada e de conteúdo localizado.
O georreferenciamento e suas conseqüências está enquadrado dentro daquelas matérias que, pela extensão e complexidade, se formos discutir tópico por tópico em expedientes de dúvida ou administrativos, certamente teremos grandes dificuldades de harmonização, seja pelo controle desconcentrado a que nos referimos e que remete muitas vezes a distintas decisões, seja pela dificuldade em se plantear a discussão centralizadamente.
O Encontro de Araraquara serviu como base para esta lição, e dali surgiram posições efetivamente institucionais, mas que ainda demandaram um maior nível de discussão para um posicionamento firme dos registradores. Tanto quanto mais seguimos uma orientação institucional, mais estamos próximos de uma qualitativa auto-regulação, a dizer, próximos de decidirmos o como proceder em matérias controversas tendo como beneficiário final o usuário dos serviços.
Evidente que, sujeitos que estamos ao poder censório e normativo, se uma matéria vem a ser auto-regulada de uma forma e posteriormente sobrevêm decisão normativa em sentido contrário, devemos seguir esta, até mesmo face o contido no artigo 30, inciso XIV da Lei Federal 8.935/94.
Entretanto, se a auto-regulação é fruto de um debate profundo e com fundamentos jurídicos e/ou principiológicos sólidos, creio devamos seguir a orientação institucional em quadro de inexistência de normativa.
Como fruto daquele Encontro, tivemos dúvidas posteriores que foram depuradas em um debate franco e que vieram a ser sanadas de maneira inequívoca no Encontro de Londrina, também promovido pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, realizado nos dias 05, 06 e 07 de maio de 2005. Cremos, dentro do espírito de defender a auto-regulação institucional, não devam prevalecer as opiniões pessoais, mas uma orientação que reproduza o pensamento registrário.
Dentro dessa ótica, vamos trabalhar adiante alguns temas polêmicos, e conquanto por vezes não demonstrem nossa opinião pessoal, a conclusão será aquela adotada institucionalmente. Por derradeiro, trataremos de duas hipóteses (alienação fiduciária de bem imóvel e atos societários), sob a nossa ótica, conquanto o assunto tenha sido objeto de debate, mas não de deliberação.
Vamos, a seguir, abordar tópico por tópico questões controversas, e que devem merecer a especial atenção dos registradores.
HIPOTECA E O GEORREFERENCIAMENTO
A questão da hipoteca ganhou especial relevância graças a sua função econômica, de instrumento de garantia para circulação do crédito, notadamente o rural, via de regra constituída pelo registro de cédulas rurais.
A leitura e aplicação direta do parágrafo 2º do artigo 10 do Decreto 4.449/2002 poderiam levar a um travamento dos negócios imobiliários envolvendo imóveis rurais e uma limitação da circulação do crédito, com conseqüências danosas ao produtor e ao conjunto de pessoas que vivem em função da produção agrícola.
Lido com a frieza do texto constante do Decreto, significaria inviabilizar, sobretudo a partir de outubro de 2005, um dos pilares da economia do Brasil: o setor agrícola.
Como consectários imediatos, podemos imaginar a menor concessão de crédito, a queda dos investimentos, com repercussão imediata na diminuição da produção, do emprego, da circulação de alimentos e da exportação.
Não se conformavam os registradores em entender ser essa a vontade do Estado. E isso por uma análise conjuntural: reforma-se a ordem tributária, reoordena-se o papel do Estado-Juiz, retirando-o das questões que envolvem meramente interesses patrimoniais de partes maiores e capazes, criam-se melhores mecanismos de execução imobiliária, fomenta-se tal crédito, aumentam-se as parcerias bilaterais, fortalecem-se as exportações, e tudo isso com vistas a travar a partir de outubro de 2005 o mercado rural? Não, com certeza os registradores sabiam não ser essa a vontade do Estado.
Com o georreferenciamento, a vontade primeira era a de dar substância física ao crédito imobiliário garantido por hipoteca de imóvel rural.
Não está longe da lembrança, as terras sobrepostas encontradas em alguns Estados do país. Essa sobreposição criava uma existência jurídica ao que não existia de fato. Uma vez dada existência matricial ao imóvel sobreposto, este estava pronto para ser colocado no mercado, tanto para alienação, como para garantia.
O problema da sobreposição somente surgiria, via de regra, ao se buscar a tomada da posse do bem imóvel ou já na fase de arrematação decorrente de execução da dívida hipotecária. Naqueles momentos se percebia que o que se tinha por direito não existia no campo fático.
Não se predispõe esse trabalho a analisar as causas da existência das sobreposições, mas sim a demonstrar que o georreferenciamento veio no sentido de evitar que tais situações perdurassem ou voltassem a ocorrer. Purifica-se a propriedade imobiliária determinando seu objeto, e se põe em circulação bem certo e determinado.
Como conseqüência, determina-se o território nacional, com a seqüência de atos de georreferenciamento, notadamente se no futuro estendido aos limites urbanos. Mas aqui já é outra questão.
Pois bem. Dentro dessa visão econômico-social-conjuntural do país, não se poderia compreender como desligada dessa realidade a redação do parágrafo 2º do artigo 10 do Decreto 4.449/2002, ora transcrito:
“Parágrafo 2º Após os prazos assinalados nos incisos I a IV, fica defeso ao oficial de registro de imóveis a prática de quaisquer atos registrais envolvendo imóveis rurais de que tratam aqueles incisos, até que seja feita a identificação do imóvel na forma prevista neste Decreto.” (destaque nosso)
A primeira leitura justificadora do limitado alcance deste parágrafo foi feita pelo notável 3º registrador paulistano, Doutor George Takeda , lembrando regra básica de que o parágrafo deve ser lido dentro do contexto do caput do artigo em que inserido. E está com a razão quando assim o afirma, somente podendo ser entendido que os atos de desmembramento, parcelamento, remembramento e transferência é que efetivamente estão vedados.
Mas surge a segunda questão problemática decorrente justamente do ato de transferência previsto no artigo 10 do Decreto 4.449/2002: reza o artigo 1.420, segunda parte, do Código Civil Brasileiro que “ só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca ”. (destaque nosso)
A questão que se tornou complexa e foi alvo de franco e produtivo debate entre os registradores era: o bem imóvel rural, após os prazos previstos no georreferenciamento e que impõem a obrigatoriedade deste para as hipóteses de transferência, são inalienáveis?
Se a resposta é positiva, não há como se fugir da vedação imposta pela segunda parte do artigo 1.420 do Código Civil Brasileiro.
Entretanto, há que se ponderar que esse artigo, notadamente em sua segunda parte, é voltada à inalienabilidade “stricto sensu”, ou seja, àquela que efetivamente existe por imposição legal ou decorrente da vontade.
A Lei que implementou o georreferenciamento não criou nova forma de inalienabilidade; apenas trouxe ao cenário jurídico uma obrigação de ordem administrativa, com finalidade não de retirar o bem do mercado, tornado-o inalienável, como ocorre, via de regra, com as indisponibilidades e as garantias hipotecárias cedulares, por exemplo, mas sim de depurar o imóvel, visando pelo cumprimento de um ato administrativo (certificação de memorial descritivo junto ao INCRA), evitar a sobreposição.
A determinação normativa é feita com vistas a evitar que voluntariamente o proprietário de uma terra rural dela se desfaça sem antes cumprir a exigência administrativa. Enquanto seu fim não for se desonerar do bem, nada impede que ele postergue a prática do ato de georreferenciamento e tire o proveito econômico-social da propriedade, diga-se de passagem, em plena concordância com a finalidade prevista para a mesma em nossa Constituição Federal.
A ordem não era e não poderia ser dirigida a quaisquer terceiros que eventualmente contratem com o proprietário da terra. Somente aquele terceiro que deseje adquirir determinada área rural ficará sob o aguardo do cumprimento da restrição imposta ao titular de domínio. Ainda assim, não estará direcionada a orientação administrativa ao terceiro-adquirente, mas ao titular de domínio, que certamente terá dificuldades para alienar seu bem pelo preço justo de mercado e de maneira formalmente correta.
Em outras palavras, não se deu características de inalienabilidade ao bem, mas de restrição de caráter administrativo, sem o condão claro e incontestável de retirar o imóvel rural do mercado.
Se a restrição é visando à disposição voluntária do bem, nada impede seja o imóvel dado em garantia hipotecária mesmo após expirados os prazos, pois em tal situação, ou paga-se o crédito e se cancela o registro hipotecário, ou ingressa em mora o devedor e a alienação não se dará por vontade sua, mas por força de mandamento judicial, a dizer, a alienação será forçada, e não voluntária. Qualquer espírito fraudador da norma poderá ser percebido em juízo, se houver, esporadicamente, ânimo de fraude entre devedor e credor.
Dessa forma, a conclusão chegada pelos registradores, notadamente após longo período de debate, é acertada no sentido de se viabilizar o registro da hipoteca sem vinculação ao prévio georreferenciamento.
AUTOS JUDICIAIS E O GEORREFERENCIAMENTO
Aqui também já está pacificada a questão pelos registradores. A necessidade de observância do georreferenciamento nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais decorre de previsão expressa contida no artigo 225, parágrafo 3º, da Lei Federal 6.015/73.
Uma leitura ampla realmente é de todo inadequada, pois evidente que o georreferenciamento aqui deve ser exigido naqueles autos judiciais cujo objeto central da demanda é o imóvel. Assim é possível vislumbrar a necessidade de georreferenciamento em autos de ação de usucapião e retificação de área, por exemplo, diferentemente ocorrendo com as hipóteses em que o imóvel rural não é o centro do processado.
Em verdade, essa disposição está ligada à origem do georreferenciamento. Em alguns Estados brasileiros, onde a sobreposição foi verificada com maior freqüência, em diversos casos se verificou que sua origem não raras vezes estava na incorreta prestação de informações levadas a expedientes de retificação de área e de usucapião, tendo os vícios contaminados os mandados que por sua vez ganharam a publicidade registrária.
A intenção aqui se torna mais patente quando se verifica a disposição do artigo 3º, parágrafo primeiro, do Decreto 4.449/2002, lembrando-se o Executivo tão somente da hipótese de usucapião. Isto porque a usucapião, por ser aquisição originária, teria o condão de extirpar os vícios do imóvel.
Já não se pode dizer o mesmo, como veremos, da transmissão causa mortis ou de alienação forçada, pois o centro da demanda não é o imóvel, que é afetado reflexamente pelo objeto central da ação.
Exigível, portanto, o georreferenciamento, somente nas hipóteses em que o imóvel for o objeto central da ação judicial.
TRANSMISSÃO E O GEORREFERENCIAMENTO
Aqui deveremos delimitar, ab initio , a que transferência está se referindo o legislador.
Por todo o exposto, temos que a expressão contida no parágrafo 4º do artigo 176 da LRP, “...quaisquer situações de transferência...”, deve ser entendida dentro da linha de raciocínio que entrega ao proprietário a obrigação administrativa. Dessa forma, a leitura adequada deve ser: “quaisquer situações voluntárias de transferência”.
Imaginemos alguém que há 10 (dez) anos contraiu um empréstimo e deu em garantia hipotecária seu imóvel rural. A partir do presente momento, ainda em plena vigência do prazo para pagamento da dívida, ingressa em mora o devedor. Seu credor, ágil, propõe a execução, o imóvel é levado à praça e adjudicado. E agora? O então credor, agora titulado, terá que fazer o georreferencimento para obter o registro da Carta de Adjudicação? Era essa a regra do jogo contratado? E o direito adquirido?
Parece-nos mais lógico e evidente o sentido adotado pelos registradores, que devolve à norma a aplicação restrita ao titular de domínio nos atos de transmissão voluntária.
Não está em consonância com o texto legal o enquadramento, por exemplo, da transmissão causa mortis e da alienação forçada, devendo, em tais hipóteses, ser dispensado o georreferenciamento. São típicas hipóteses de autos judiciais em que o imóvel não é o centro da demanda. Ora é a efetivação da partilha, ora é a satisfação do crédito, sendo o imóvel elemento estranho ao objeto central e por este reflexamente atingido.
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E O GEORREFERENCIAMENTO
Primeiramente, faz-se mister esclarecer que não temos conhecimento neste e no próximo tópicos de deliberação institucional, conquanto em relação ao último houve início de discussão no Encontro de Araraquara.
Neste tópico da alienação fiduciária há que se distinguir duas hipóteses: a primeira, que conta com uma antecedente alienação voluntária e uma subseqüente alienação fiduciária de bem imóvel; e a segunda que conta tão somente com a alienação fiduciária de bem imóvel para garantia da dívida.
Na primeira, temos por indubitável a necessidade de georreferenciamento. Há uma alienação voluntária, e para se garantir o crédito utilizado para aquisição se utiliza o adquirente do instrumento da alienação fiduciária.
Entretanto, se o devedor já é o proprietário do bem, ou seja, não houve ato antecedente de aquisição, e ele está tão somente dando em garantia o bem imóvel rural, temos como viável, nos termos do aplicável às hipotecas, a alienação fiduciária com escopo de garantia sem a necessidade do georreferenciamento.
Alguns poderão argumentar com a fase administrativa, no registro imobiliário, de consolidação do bem na pessoa do fiduciário se não paga a dívida. Entretanto, o argumento nos parece de todo frágil, pois a hipótese de ocorrência de fraude é mínima, eis que prevista, em prazo relativamente curto, a realização de público leilão (artigo 27 da Lei 9.514/97), onde não temos novamente a característica de voluntariedade da alienação a obstar o registro.
TRANSFORMAÇÕES SOCIETÁRIAS E CONFERÊNCIAS DE BENS E O GEORREFERENCIAMENTO
Finalmente, para conclusão deste trabalho, falta analisar as hipóteses de transformações societárias (incorporação, cisão, fusão) e de conferências de bens.
Em primeiro lugar, devemos indagar qual o centro de tais transações. Sabemos que é uma discussão doutrinária de longa data, mas o que importa aqui é determinarmos se a restrição administrativa que impõe o georreferenciamento se aplica ou não a tais atos societários.
Parece que a tão só dúvida sobre a existência da efetiva transmissão (stricto sensu) do imóvel já é razão suficiente para afastarmos a necessidade do georreferenciamento. Mas concordamos que o argumento seria por si só extremamente frágil.
Mais do que a incerteza, deve prevalecer a certeza que o foco de tais transações não é a transmissão imobiliária, mas sim a transmissão patrimonial, no caso das transformações, e a formação ou aumento de capital, no caso da conferência de bens.
O que se busca não é central e pontualmente transferir voluntariamente o bem imóvel rural pertencente a empresa A para a empresa B, mas todo o acervo patrimonial de uma para a outra (incorporação total), parte do acervo patrimonial uma a outra (incorporação parcial), parte do acervo patrimonial para constituição de nova sociedade (cisão) ou a reunião de acervos patrimoniais das duas empresas para formação de uma nova sociedade (fusão).
Na conferência de bens, da mesma forma não se busca nuclearmente transferir voluntariamente um bem imóvel de pessoas físicas ou jurídicas para formação ou aumento do capital, mas sim este é o ato principal. O que se busca em primeiro lugar é formar capital de empresa nova ou aumentar capital de empresa existente para impulsionar diversas atividades de porte e relevância para a economia nacional e geração de empregos. A forma como esse capital será integralizado é uma questão periférica. Pode ser em dinheiro, bens móveis, imóveis, e se estes, eventualmente rurais.
O que deverá ser evitado, isto sim, é que em um ou outro caso, a empresa que recebeu o bem imóvel, seja por tranformação, seja por conferência de bens, faça a voluntária transmissão do bem imóvel, singularmente, sem georreferenciamento. Em outras palavras, não poderá uma pessoa se valer da desnecessidade do georreferenciamento para transferir o imóvel a uma pessoa jurídica pensando que esta estará imune do cumprimento da obrigação administrativa se fizer uma voluntária e singular transmissão do bem imóvel rural.
Podemos ainda trazer à balha parecer da lavra do eminente magistrado, Sua Excelência, Doutor Francisco Eduardo Loureiro , emitido nos autos do Processo CG nº 1.572/97, em 20 de outubro de 1997 e aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Márcio Martins Bonilha , em 21 de outubro de 1997, publicada no Diário Oficial de Justiça de 23 de outubro de 1997:
“Pois bem. O órgão próprio para proceder às alterações das transformações societárias é Junta Comercial, nos exatos termos do que dispõem os artigos 8o e 32 da Lei Federal n. 8.934/94, que disciplina o registro público de empresas mercantis.
Cabe, pois, à Junta comercial aferir a regularidade formal dos documentos que lhe são apresentados para os atos de transformação social. Em termos diversos, atribuição qualificadora da legalidade da transformação se dá, pelo órgão de comércio, quando do registro e arquivamento dos documentos relativos à alteração de firmas mercantis individuais e sociedades mercantis e cooperativas . (destaque nosso)
Precedente desta Corregedoria Geral, publicado em caráter normativo (Processo CG 254/93), deixou fixado que, no caso de extinção ou transformação de sociedade comercial, as certidões negativas de débitos previdenciários e fiscais devem ser apresentadas ao registro imobiliários ou haver prova de que já foram apresentadas à junta comercial.
O procedente, porém, deve ser entendido no sentido de que a destinatária primária das certidões é a Junta Comercial. Caso haja prova (inclusive pelo registro e arquivamento da transformação) de que as certidões já tenham sido apreciadas, dispensável nova exigência pelo registro imobiliário. Lembre-se, ademais, ser o precedente administrativo anterior à Lei n. 8.934/94, de modo que deve a ela se adequar.”
Ora. Entre uma das atribuições do Registro do Comércio está, conforme se verifica do artigo 35, inciso VII, letra a, verificar “a descrição e identificação do imóvel, sua área, dados relativos à sua titulação, bem como o número da matrícula no registro imobiliário”.
A descrição que será averiguada pela Junta Comercial é aquela que, segundo seu critério de qualificação da legalidade da transformação estiver em consonância com este ato. Se por bem entender a Junta Comercial que a descrição deve estar marcada pelo ponto georreferencial, poderá e deverá negar acesso ao registro, nos termos do artigo 35, inciso VII, letra “a”, da Lei Federal 8.934/94 cc a Lei 10.267/2001 e sua regulamentação. Se ao revés, entendeu por proceder positivamente à qualificação, espera que o ato de transformação ganhe a publicidade registral quando envolver bens imóveis, nos termos da Lei das Sociedades Anônimas e da Lei Federal 8.934/94.
Note-se, ademais, que no caso do parecer colacionado, há previsão inclusive de sanção, que fulmina de nulidade o ato que se fizer em desobediência ao cumprimento da obrigação previdenciária (artigo 48 da Lei Federal 8.212/91), sanção essa inexistente nas hipóteses de georreferenciamento e que colaboram com a leitura que os registradores vêm fazendo da melhor aplicação da Lei em comento.
Portanto, tendo o ato de transformação ou conferência de bens sido regularmente arquivado na Junta Comercial, entendemos por viável a prática do ato registrário competente se, por aquele órgão, for dispensado o georreferenciamento.
Por conclusão, achamos importante anotar a recente Nota Oficial do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal, e os Encontros de Araraquara e Londrina realizados pelo Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, que demonstram o atual estágio de maturidade de notários e registradores, cujas posturas frente a questão do georreferenciamento têm antes de tudo sido responsáveis, pautando-se por uma discussão de alto nível e de busca de dar exeqüibilidade à Lei sem atravancar os negócios jurídicos, os quais, também, estão dentro das suas esferas de atribuições e a eles devem dar efetividade e publicidade (artigo 1º da Lei Federal 6.015/73 cc artigos 1º e 6º, incisos I e II da Lei Federal 8.935/94).
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