quarta-feira, 23 de maio de 2012

Geoprocessamento no licenciamento ambiental de grandes empreendimentos

O licenciamento ambiental surgiu formalmente, no Brasil e em boa parte do mundo, na década de 70. Numa primeira fase, voltado para o controle da poluição industrial, como estabelecido nas diretrizes do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (1975). Somente no início da década de 80 - com a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA - 1981) e sua regulamentação (1983) - a base institucional e legal do licenciamento ambiental como o conhecemos hoje foi lançada. Dois elementos institucionais destacaram-se na PNMA: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), que tem por instância superior o CONAMA. O SISNAMA compreende o conjunto de instituições na esfera federal, estadual e municipal que formulam e regulam a política ambiental e aplicam a legislação pertinente, sendo responsáveis pelo licenciamento ambiental. Refletindo as preocupações da sociedade com os efeitos adversos do desenvolvimento econômico e a visão de impactos ambientais mais abrangentes e inter-relacionados - muito além da regulação da poluição industrial pontual - a Política Nacional do Meio Ambiente criou instrumentos importantes: a) o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, b) o zoneamento ambiental (ecológico-econômico), c) a avaliação de impactos ambientais e d) o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras ou causadoras de degradação ambiental. As Resoluções CONAMA 001 e 011/1986 e a 237/1997, basicamente, estabelecem os instrumentos mais comentados do sistema de licenciamento ambiental brasileiro: o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e as licenças ambientais - prévia (LP), de instalação (LI) e de operação (LO). A partir de 1997, o empreendedor passou a ter o direito de participar do estabelecimento das exigências do estudo de impactos e condicionantes de licenciamento, tornando-se também responsável pela contratação da equipe técnica que realiza o EIA. Todo o processo de licenciamento ambiental, a começar da LP - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade e aprovando sua localização e concepção - são fortemente dependentes de informação cartográfica, sejam mapas, cartogramas ou coordenadas de localização, ilustrando e especificando a localização dos empreendimentos e o alcance dos seus impactos potenciais. Os mapas são ferramentas de comunicação poderosas, e são, de forma geral, criteriosamente analisados e muito utilizados pelos analistas ambientais dos órgãos licenciadores. É comum que os analistas extraiam a informação cartográfica fornecida pelo empreendedor no processo de licenciamento e carreguem-na no GPS para fazer as vistorias, o que permite verificar em campo, com precisão, a veracidade das informações fornecidas e o contexto geográfico onde se insere o empreendimento. Na maioria dos órgãos licenciadores, os analistas têm acesso, diretamente ou através de um departamento especializado, a sistemas de informação geográfica (SIG), como é o caso do IBAMA. Na última década tem havido um processo intenso de complementação e renovação dos quadros de profissionais dos órgãos licenciadores, através de concursos públicos. Este processo permitiu que hoje tenhamos como analistas profissionais de bom nível técnico e de variadas formações, como biólogos, geógrafos, engenheiros de várias áreas, entre outros, que usam ferramentas de geoprocessamento correntemente no seu trabalho de análise e fiscalização. Ainda assim, é comum ainda hoje encontrarmos dois erros de postura dos empreendedores no processo de licenciamento: o de tentar fornecer informações incompletas ou genericamente localizadas nos seus relatórios e o de tentar adiar ao máximo as vistorias do agente licenciador ao local do empreendimento, na esperança de ocultar o início não autorizado de alguma obra ou "limpeza" do terreno (corte da vegetação, terraplenagem, desvio de curso d'água, etc.). Séries históricas de imagens de satélite são hoje de fácil obtenção e um recurso muito usado na análise ambiental, o que permite muitas vezes flagrar impactos do empreendimento sem mesmo ir a campo. Uma postura de "jogo de esconde-esconde" com o órgão licenciador pode causar pesadas multas e atrasos no processo de licenciamento. Quanto mais clara, correta e precoce for a comunicação entre o agente licenciador e o empreendedor, melhor será o desempenho no processo de licenciamento ambiental. A vistoria antecipada do agente licenciador em campo, com boas informações de localização do empreendimento e dos principais impactos potenciais, tende a facilitar a elaboração conjunta de um termo de referência para o EIA - coerente e factível - facilitando o trabalho e reduzindo custos de ambas as partes, empreendedor e licenciador. Antes da fase do EIA, que deve ser aprovado para obtenção da licença de instalação (LI), tem sido comum a realização e estudos de avaliação ambiental estratégica (AAE), especialmente por parte de setores de infra-estrutura como geração de energia. Essa modalidade de estudo é aplicada nos casos de conjuntos de empreendimentos previstos ou potenciais, mas ainda não licitados, como aproveitamentos hidroelétricos numa determinada bacia hidrográfica ou blocos de exploração petrolífera. Permite ainda a avaliação de impactos cumulativos e sinérgicos causados por diversos empreendimentos numa determinada região geográfica. São contratados normalmente por instituições governamentais, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), subordinada ao Ministério de Minas e Energia, que tem realizado avaliações estratégicas em grandes bacias hidrográficas brasileiras. O uso de ferramentas de geoprocessamento é fundamental nestes estudos de grande abrangência geográfica, sendo normal que o sistema de informações geográficas - conjunto de dados vetoriais, imagens, tabelas de atributos e banco de dados organizados - seja um entregável do projeto contratado. Durante a elaboração do EIA as aplicações de geoprocessamento são inúmeras, abrangendo freqüentemente o imageamento por satélite em alta ou média resolução, a integração em ambiente de SIG dos desenhos do empreendimento (plantas do projeto básico, executivo ou geométrico), o mapeamento temático de uso das terras e cobertura vegetal, as análises qualitativas e quantitativas da vegetação a ser suprimida e das áreas de preservação permanente (APPs) afetadas, entre outros (Figura 1). O imageamento precoce da área de influência direta e indireta do projeto (AII e AID) e a adoção de um SIG para integração e distribuição das informações pelas equipes temáticas (fauna, flora, socioeconomia, geologia, etc.) são investimentos que tendem a acelerar e melhorar muito a qualidade do EIA, mostrando seriedade, domínio da informação e transparência do empreendedor para o órgão licenciador, sociedade e investidores. Apesar disso, muitos empreendedores ainda tratam os quesitos de geoprocessamento como um item caro e desnecessário exigido no termo de referência do estudo, deixando para fazer as aquisições no final dos estudos, "para constar". Outra fase do licenciamento ambiental que demanda o uso intensivo de ferramentas de geoprocessamento é o projeto básico ambiental - delineado na fase de EIA, e aprovado pelo órgão licenciador na fase de liberação da LI - que define os programas ambientais que o empreendedor terá que desenvolver, sendo que a implantação e a conclusão de alguns desses programas constitui pré-requisito para obtenção da licença de operação (LO). Alguns dos programas ultrapassam a fase de construção do empreendimento e adentram a fase de operação, pois prevêem trabalhos de monitoramento dos impactos ambientais do empreendimento ou do efeito de medidas mitigadoras implantadas. Os programas ambientais de um empreendimento de grande porte podem ultrapassar 20 áreas temáticas e prolongar-se por 2, 3 ou mais anos, dependendo da duração das obras e período de monitoramento. Um bom exemplo da aplicação de ferramentas de geoprocessamento nesta fase do licenciamento ambiental foi apresentado no 1º Encontro Novaterra de Geotecnologias, no final de novembro, pelos geógrafos da Serra do Facão Energia S.A. (SEFAC) e Andrade & Canellas Consultoria e Engenharia, que estão trabalhando na implantação da UHE Serra do Facão, no Rio São Marcos, em Goiás. Os 24 programas sócio-ambientais incluem temas diversos como a relocação e indenização de propriedades atingidas pela barragem e reservatório, o monitoramento da ictiofauna (peixes), o salvamento arqueológico e a implantação de áreas de conservação e recuperação da vegetação. São diversas empresas e muitas equipes produzindo dados e informações georreferenciadas que foram integradas num sistema de informações geográficas elaborado em conjunto com a Novaterra Geoprocessamento, incluído o imageamento em alta resolução de toda a área do reservatório e entorno ao tempo do início dos trabalhos de cadastro fundiário, por programação do satélite Ikonos 2. O SIG foi concebido para ser acessado via Internet (SIGWEB ou WEBGIS), auxiliar o gerenciamento dos programas ambientais e fornecer informação para as diferentes equipes de consultores envolvidas no projeto. Uma das possibilidades de um SIG desse tipo é servir como ferramenta de comunicação permanente também com o órgão licenciador, já que o sistema permite visões e acesso aos dados diferenciado dependendo do login e senha do usuário. Estudos específicos eventualmente necessários na análise de viabilidade e no licenciamento de empreendimentos também demandam ferramentas de geoprocessamento. Alguns destes são as simulações ou modelos de dispersão de poluentes em corpos d'água, no solo ou no ar, estudos quantitativos específicos para obtenção da autorização para supressão da vegetação (ASV), o cadastro físico-fundiário e respectivo banco de dados, estudos de ordenamento territorial, readequação da infra-estrutura, estudos de paisagem e de corredores ecológicos. Um bom exemplo desse tipo de estudo foi o mapeamento, análise de paisagem e de corredores ecológicos em conjunto com o projeto de duplicação da rodovia BR-101, para definição de pontos de instalação de estruturas passa-fauna sob a rodovia, no Rio Grande do Sul. Esse estudo foi executado pelo CENTRAN (Centro de Excelência em Engenharia de Transportes - DNIT/Exército Brasileiro) e pela Novaterra Geoprocessamento, tendo sido discutido também no 1º Encontro Novaterra de Geotecnologias. Pela experiência de mais de 15 anos trabalhando na área de geoprocessamento para estudos em meio ambiente - a maior parte deles para licenciamento ambiental - recomendo o uso de ferramentas de geoprocessamento ao longo de todo o ciclo do empreendimento, desde a pré-viabilidade até o monitoramento na fase de operação (Figura 2). O investimento em geoprocessamento diluído nesse tempo tende a ser relativamente pequeno, tendo uma excelente relação custo-benefício. Basta considerar que 1km de linha de transmissão implantada custa na ordem de US$ 1milhão ou que grandes hidrelétricas custam na ordem de alguns bilhões de reais. Os ciclos de implantação de grandes projetos de infra-estrutura duram de 2 a até 10 anos ou mais, logo planejar corretamente o uso do geoprocessamento e contratar na hora certa contribuem para máximo benefício no ciclo do projeto, reduzindo inclusive o custo de muitos outros estudos por meio do suporte à comunicação e integração de informações, suporte ao planejamento das atividades de campo e ampliação da capacidade de análise do corpo técnico contratado e executivos responsáveis.

Nenhum comentário:

Postar um comentário